Por que tanta gente gasta mais do que ganha?
Quem explica é a comentarista Neyla Tardin
Pesquisa recente da Confederação Nacional do Comércio (CNC), divulgada dias atrás, aponta que quase 80% das famílias brasileiras estão endividadas, ou seja, têm hoje alguma compra parcelada ou financiamento. A CNC entende como dívida: cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, consignado, empréstimo pessoal, prestação de casa ou de carro. Oito em cada dez famílias gastam mais do que ganham todos os meses. Isso é bom ou ruim? Tema para Neyla Tardin, nesta edição do "Conversa de Bolso".
No imaginário brasileiro, a dívida é vilã, e o juro composto, parceiro de crime da dívida. É preciso dizer que dívida pode sim ser muito boa, SE bem administrada e SE barata. Empresas alavancadas, por exemplo, podem utilizar capital de terceiros para crescer. Sem ele, seria impossível, muitas vezes, ganhar escala e investir em choques tecnológicos. A dívida, na indústria e nos serviços, pode elevar a produtividade.
Não é diferente quando falamos de planejamento financeiro familiar. Todos os dias, as famílias tomam decisões de consumo e de poupança. A escolha é intertemporal, porque a renda é restrita: (i) se você gastar muito hoje e não poupar, terá pouco amanhã; (ii) se gastar pouco hoje e poupar, terá muito amanhã. E você só vai descobrir se está gastando muito ou pouco se colocar no papel. Não tem saída.
Você só saberá se sua dívida é saudável se passar a controlá-la, mês a mês. Isso requer disciplina e gera ansiedade para muita gente. Não é só uma questão de falta de educação financeira e deficiência em treinamento sobre raciocínio lógico. É uma questão psicológica. Há pessoas que não dormem se sabem que têm uma parcela a pagar; e há pessoas que precisam do consumo como válvula de escape para emoções. No segundo caso, nasce o endividado crônico, compulsivo e descontrolado. A dívida já não é mais saudável para eles.
Se você gasta mais do que ganha e quer saber se a sua dívida é saudável ou não, comece se perguntando o tamanho do benefício do endividamento. O benefício da dívida supera o custo psicológico e monetário do endividamento? Vamos a um exemplo.
Você deseja comprar um carro. À vista, o carro sairia por R$ 100 mil. A prazo, dez parcelas de R$ 12 mil (ou seja, um juro de R$ 2 mil mensais). Você não tem R$ 100 mil na mão e tem que enfrentar uma escolha: financiar ou esperar para comprar. Suponha que você usaria o carro para fazer entregas no trabalho e teria uma receita de R$ 4 mil mensais com essa atividade. Nesse caso, o benefício do financiamento (R$ 4 mil) supera o custo do financiamento (R$ 2 mil). Nesse caso, ignoremos o custo da gasolina, da depreciação do veículo, do seguro e da manutenção, apenas para fins de exercício.
Mas existe o intangível, o conforto. Quero ter um carro para conforto da família. Tudo bem. Só é preciso reconhecer que não se pode ter conforto em tudo. Educação financeira e gestão da dívida passa por escolhas racionais, e escolher é sempre abrir mão de algo. Fica a pergunta: você controla sua dívida ou sua dívida controla você?